Caminhoneiro pleiteia diferenças salariais e adicionais diversos

Direito do Trabalho - Caminhoneiros - A sentença reconhece a remuneração em forma de comissões a base de 10% e seus reflexos, condena a empresa a restituir descontos de diárias e multas de trâsito e nega os pedidos de horas-extras e adicional de periculosidade.

Aos .. dias do mês de ... de ..., na sede da E. .. Vara do Trabalho de ... - ..., presente a Exma. Juíza Substituta Dr.ª ..., que ao final assina, para a audiência relativa ao processo N.º ..., entre as partes acima nominadas. Às ...h... horas, aberta a audiência foram de ordem da MM. Juíza, apregoadas as partes. Ausentes.

Submetido o processo a julgamento a Vara proferiu a seguinte SENTENÇA


RELATÓRIO
FULANO propôs a presente reclamação trabalhista, em desfavor de TRASNPORTADORA LTDA., buscando a condenação desta ao pagamento de diferenças salariais e reflexos, reflexos das comissões pagas, saldo de comissões, diárias e reflexos, adicional noturno e reflexos, adicional de periculosidade e reflexos, descansos semanais trabalhados, diferenças de FGTS, devolução de descontos e justiça gratuita.

Alega que manteve contrato de trabalho de 02/01/2004 a 01/11/2004, quando foi imotivadamente dispensado; exerceu a função de motorista; denuncia que recebia salário marginal e que as verbas discriminadas nos recibos de pagamento não condiziam com a realidade; diz que sempre trabalhou em dias destinados a descanso semanal; alega que não recebeu as diárias previstas em instrumento normativo.

Instruíram a inicial com instrumento de procuração e documentos.

Em defesa a reclamada confirma as datas de duração do vinculo; alega preliminares de inépcia da inicial; alega que o reclamante recebeu todos os valores que lhe eram devidos; nega pagamento extra folha; contesta os demais pedidos e pede a improcedência da reclamatória.

Instruíram a contestação instrumentos de procuração e documentos, que foram devidamente impugnados pelo autor.

Na audiência de instrução foram colhidos os depoimentos de três testemunhas.

As partes declararam que não possuíam outras provas a produzir.

Encerrou-se a instrução.


Razões finais orais e remissivas.

Rejeitadas as tentativas conciliatórias a tempo e modo perpetuadas.

Vistos e examinados os autos.

É o relatório.


DECISÃO E SEUS FUNDAMENTOS

PRELIMINARMENTE

INÉPCIA DA INICIAL
Argüida a inépcia pela reclamada, neste momento deve ser avaliada, uma vez que compromete o desenvolvimento válido e regular do processo, consoante art. 301/CPC.

Afirma a reclamada ser a inicial inepta por impossibilidade jurídica dos pedidos de labor extraordinário, de incorporação dos valores pagos a titulo de diárias, além da ausência de causa de pedir quanto aos pedidos de adicional de periculosidade, saldo de salário comissivo, restituição de alugueres e desconto de quebra de soja e de restituição de valores descontados irregularmente,
requerendo que o processo seja extinto sem julgamento de mérito, conforme art. 267/CPC.

Da leitura do art. 295, parágrafo único/CPC conclui-se que é inepta a inicial se e quando não propiciar as articulações da defesa.

No tocante ao pedido de restituição dos valores descontados a titulo de quebra de soja, não há causa de pedir, eis que o autor sequer aponta os meses onde houve o alegado desconto.

Assim, acolhe-se o pedido de inépcia para extinguir o pedido de restituição por quebra de soja, sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, I/CPC.

Quanto às demais alegações de inépcia, a inicial como posta permite as articulações da defesa, não havendo inépcia a se declarar.

Rejeita-se.


REVELIA
A revelia decorre da ausência da apresentação de defesa pelo réu e a aplicação da confissão ficta ante a impossibilidade de ser colhido o depoimento.

A reclamada se fez presente as audiências designadas, tanto para apresentar sua defesa como para prestar depoimento, não havendo revelia a se declarar.

A ausência de instrumento de procuração ou substabelecimento consiste em irregularidade, sanada à folha 145 e 146 dos autos.


VINCULO DE EMPREGO
Incontroverso entre as partes a existência de vínculo empregatício no período de 02/01/2004 a 01/11/2004, quando ocorreu a dispensa, sendo que o reclamante exerceu a função de motorista.


COMISSÕES
O reclamante alega que recebia salário por comissão, sendo que a reclamada somente passou a constar o pagamento de comissões após um período. Mesmo assim, sempre em valor menor que o devido e que o valor discriminado nos recibos de pagamento não condizia com a realidade, pois não recebia as verbas ali descritas.

Afirma também que não havia o pagamento de salário fixo, eis que apenas constava o valor no holerite de pagamento, mas, no momento do pagamento das comissões, que era feito extra folha, os valores constantes nos holerites eram descontados.

A reclamada disse que o valor da remuneração do autor era aquele constante nos recibos de pagamentos.

Por se tratar de fato constitutivo do seu direito, incumbe ao reclamante o ônus de provar o valor de sua remuneração, a teor do que dispõe os artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC.

O reclamante se desincumbiu do seu ônus, eis que as testemunhas ouvidas foram convincentes em seus depoimentos, confirmando as alegações do reclamante no tocante a forma de pagamento, demonstrando ser pratica da empresa o pagamento de forma extra folha.

Conforme se extrai dos depoimentos das testemunhas do autor, o salário combinado era apenas por comissão, sendo que os holerites de pagamento não correspondem com a verdadeira remuneração, o que acarreta sua nulidade, nos termos do artigo 9 da CLT.

Desta forma, tem-se como verdadeiro que o autor recebia salário por comissão, de 10% sobre o valor do frete, fixando-se como média de comissão o valor de R$3.000,00 mensais apontados na peça inicial.

Improcede o pedido de restituição dos valores pagos a titulo de salário, eis que restou comprovado pelas testemunhas ouvidas que o salário do autor seria apenas por comissão, sendo que os recibos de pagamento não correspondiam ao combinado.

Reconhecido o valor do salário por comissão, devido o pagamento das diferenças sobre aviso prévio, férias proporcionais acrescidas de 1/3 e gratificação natalina proporcional, conforme TRCT, eis que os valores forma pagos observando-se pagamento inferior ao devido.

Devido também o recolhimento do FGTS sobre as verbas ora deferidas, nos limites do pedido contido no item z8 e z9 da peça inicial, acrescido da indenização de 40%, devendo a reclamada efetuar o recolhimento e entregar as guias para saque sob pena de indenização substitutiva.


DIÁRIAS
Uma vez que se tornou verdade que a reclamada simulava os recibos de pagamento, eis que o reclamante recebia por comissão e os valores pagos mediante os recibos de pagamento eram descontados no momento do pagamento das comissões, devido a restituição dos valores apontados como diárias constantes dos recibos de pagamento.

Frise-se que não é possível diante dos elementos existentes nos autos, saber em qual dia o reclamante estava viajando, e ainda a uma distância superior a 100 km, a fim de fazer jus ao recebimento de diárias, motivo pelo qual fixa-se o número de diárias de acordo com os valores apontados nos já referidos recibos de pagamentos.

Não se há falar em reflexos das diárias, eis que os valore pagos não ultrapassam 50% do valor do salário.

Procede o pedido nos termos acima.


ADICIONAL DE PERICULOSIDADE
Pretende o autor o recebimento de adicional de periculosidade, pois afirma que também exercia a função de frentista do caminhão quando estava viajando.

Diz ainda, que deveria dormir no caminhão e servir com vigilante, tendo contato constante com inflamáveis.

As alegações obreiras não se sustentam, primeiro porque em viagens o abastecimento é feito em postos de gasolina, onde há a função de frentista, segundo porque o fato de abastecer o caminhão quando necessário, mesmo que o abastecimento seja efetuado pelo autor - o que não restou comprovado – não caracteriza a função de frentista.

Quanto a alegação e que ficava constantemente em contato com produtos inflamáveis, melhor sorte não lhe socorre, uma vez que o carregamento do caminhão era de soja e não de combustível.

Improcede o pedido de adicional de periculosidade e seus reflexos.


HORAS EXTRAS E REFLEXOS/ADICIONAL NOTURNO
É incontroverso nos autos que o autor trabalhava como motorista de caminhão, viajando para os estados de Mato Grosso e São Paulo, mantendo contato apenas via rádio ou telefone.

Não havia desta forma, controle do horário de trabalho, uma vez que o autor viajava sozinho, sendo que a comunicação via rádio ou telefone não caracteriza controle de horário.

Como não restou evidenciado que o reclamado tinha qualquer forma de controle sobre o horário de trabalho do reclamante, improcede o pedido de horas extras e reflexos.

O mesmo se diga no tocante ao adicional noturno e pagamento dos domingos e feriados com adicional de 100%, eis que a ausência de controle de horário retira o direito a percepção do adicional em questão e dos domingos e feriados laborados.


ALUGUÉIS
Diz o autor que a reclamada combinou o fornecimento de alojamento. Por este motivo requer a devolução dos valores que pagou a titulo de aluguel.

Cabia ao autor comprovar suas alegações, por ser fato constitutivo do seu direito (art. 818/CLT c/c art. 313, I/CPC), sendo que deste ônus o autor não de desincumbiu a contento, pois não trouxe aos autos nenhuma prova de suas alegações.

Improcede o pedido em questão.


DEVOLUÇÕES DE DESCONTOS
Conforme item 06 da petição inicial, o autor afirma que eram efetuados vários descontos - que enumera - no momento do seu pagamento, requerendo a restituição dos valores, inclusive quanto ao TRCT.

Requer para tanto, a restituição dos valores descontados a titulo de abono salarial e multa de trânsito.

A reclamada não juntou aos autos nenhum referente a infração de trânsito cometida pelo autor.

Assim, devida a devolução do valor descontado a titulo de multa de trânsito.

Quanto ao abono previsto em CCT, há o pagamento no TRCT e desconto do valor também em TRCT.

As condições para pagamento do abono estão disciplinadas na cláusula terceira da CCT (f.96), sendo aplicáveis aos salários dos motoristas.

Como o autor recebia por comissão, não se há falar em restituição ao autor do desconto referente ao abono.

Procede nos termos acima.


JUSTIÇA GRATUITA
Foram atendidos os requisitos autorizadores da concessão do benefício da justiça gratuita, determinados pela Lei 1.060/50 e do art. 1º da Lei 7.115/83.

Procede.


LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
A reclamada em peça de defesa pede a aplicação da litigância de má-fé ao reclamante sob a alegação de que o mesmo formula pretensões que sabe não verdadeiras.

A litigância de má-fé é atribuída à parte que causar dano processual a outra parte, agindo para tanto, com dolo ou culpa.

O art. 17/CPC traz de forma taxativa, as hipóteses de aplicação da litigância de má fé. A exordial, como posta, não atrai nenhuma das hipóteses elencadas no art.17/CPC, traduzindo tão somente o direito subjetivo de ação do reclamante.

Improcede.


Em razão de todo o exposto,

Resolve a M.M. ... Vara do Trabalho de ... - ... acolher o pedido de inépcia para extinguir sem julgamento do mérito o pedido de restituição a titulo de quebra de soja, reconhecer que o autor recebia salário na forma de comissões, no valor médio de R$3.000.00 mensais, e julgar parcialmente procedentes os pedidos cumulativos formulados por FULANO para condenar TRANSPORTADORA LTDA. a pagar, no prazo legal após citação executória, conforme liquidação de sentença e limitado ao valor do pedido, diferenças sobre verbas rescisórias, devolução de diárias, devolução de desconto a titulo de multa de trânsito, FGTS e indenização de 40%, bem como as benesses da justiça gratuita, tudo conforme a fundamentação supra, que a este dispositivo integra para todos os efeitos legais.

Observem-se os provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho.

Em atendimento ao disposto no art. 832, § 3º, da CLT, incluído pela Lei n. 10.035/2000, ressalta-se que possuem natureza indenizatória, não cabendo recolhimento previdenciário, as parcelas que se enquadrem entre aquelas previstas no art. 214, § 9º, do Decreto 3.048/99 e o FGTS acrescido da
indenização de 40% (art. 28 da Lei n. 8.036/90).

As demais parcelas possuem natureza salarial, incidindo contribuição previdenciária, devendo ser calculada mês a mês, observando-se os limites de isenção fiscal.

Custas pelo reclamado no importe de R$ 100,00, calculadas sobre R$ 5.000,00, valor arbitrado à condenação.

Cientes as partes.

Em seguida encerrou-se às ... horas.

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