Direito do Trabalho - Contrato de Trabalho - Sentença que reconhece a nulidade de contrato de trabalho sem concurso entre o reclamante e sociedade de economia mista, mas defere parcialmente as verbas pleiteadas.
Em ... de ... de ..., às ... horas, aberta a audiência, com a presença do Exmo. Juiz do Trabalho, Dr. ..., relativamente ao processo ... entre partes: Fulano x Empresa Tal, reclamante e reclamada, respectivamente, que foram apregoados, estando ausentes. Submetido o feito a julgamento, foi proferida a seguinte SENTENÇA:
I - RELATÓRIO
Dispensado, conforme previsão expressa contida no artigo 852-I da CLT, acrescentado pela Lei nº 9.957/00.
II - FUNDAMENTAÇÃO
01 - DA RELAÇÃO HAVIDA ENTRE AS PARTES
Antes de tudo, consigno que, diante das colocações feitas na peça defensiva, era ônus da reclamada a comprovação da inexistência de vínculo empregatício na relação contratual mantida com o autor, nos termos em que defende na peça contestatória.
A título ilustrativo, vejamos:
RELAÇÃO DE EMPREGO. ONUS PROBANDI. Ao negar o vínculo empregatício, reconhecendo, porém, a prestação laboral, o réu atraiu para si o onus probandi do fato impeditivo do direito postulado pelo autor, a teor do que dispõem os arts. 818 da CLT e 333, II, do CPC, cabendo-lhe comprovar robustamente a ausência dos requisitos essenciais da relação de trabalho, elencados nos arts. 2º e 3º da CLT. Não tendo a reclamada se desincumbido a contento do encargo que a ela estava afeto, forçoso o reconhecimento da relação de emprego (TRT 23ª Região - Relator Juiz ROBERTO BENATAR - RO 1.248/2001).
Em resumo: se a reclamada negar o vínculo empregatício, mas reconhecer a prestação laboral atrai para si o encargo probatório quanto ao fato impeditivo dos direitos postulados pelo autor, cabendo ao julgador inferir das provas postas nos autos a existência ou não dos requisitos que configuram a relação empregatícia, na forma estabelecida no artigo 3º da CLT.
No entanto, sopesando o acervo probatório dos autos constato, de imediato que a reclamada não logrou comprovar a inexistência do vínculo empregatício, encargo reconhecidamente seu, conforme vimos acima. Os documentos acostados (fls. 44/53), por si só, não avalizam a condição de autônomo do reclamante, eis que emitidos unilateralmente pela empresa, além de que, os cheques também são emitidos para o pagamento de salário.
Por tais razões, tenho que o reclamante prestou serviços à reclamada, mediante relação de emprego, no período de 16.12.04 até 24.05.05, quando foi dispensado sem justa causa. As conseqüências jurídicas serão adiante examinadas.
02 - SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA - ADMISSÃO SEM CONCURSO PÚBLICO - EFEITOS DO CONTRATO DE TRABALHO
As sociedades de economia mista são espécies do gênero entidades paraestatais, ao lado das empresas públicas, autarquias e fundações públicas (que compõem a Administração Pública indireta) e os serviços sociais autônomos (entes de cooperação, fora da dministração).
O elemento comum, entre as entidades paraestatais, é sua colocação paralelamente ao poder do Estado e sob seu amparo, para cometimentos de interesse coletivo, desejados e fomentados pelo Estado.
Segundo Hely Lopes Meirelles, o objeto e a forma da sociedade de economia mista não sofrem qualquer imposição ou limitação pela Constituição.
A única condição é que, explorando atividade conômica, faça-o em igualdade de condições com o particular, em caráter suplementar da iniciativa privada, para não lhe fazer concorrência (art. 173 e §§).
O doutrinador alerta, ainda, para o fato de que o regime de pessoal das entidades paraestatais é o dos empregados de empresas privadas, sujeitos à CLT, às normas acidentárias e afeto à competência da Justiça Trabalhista (art. 114 da CF); não obstante, ficam sujeitos a concurso público para o ingresso nos quadros, salvo para os cargos ou funções de confiança (CF, art. 37, II). Aliás, o STF já firmou que as entidades paraestatais previstas no art. 173, §1º da Constituição estão sujeitas a processo seletivo, que há de ser público.
No caso vertente, a reclamada entende que contratação do reclamante é nula e, por isso, não produz qualquer efeito jurídico de natureza trabalhista.
Com esse entendimento não comungo, data venia.
O ente público descumpre a legislação - pior, a regra constitucional - depois vem, ingenuamente, alegar que descumpriu a lei, pedindo favores do juízo, como se a culpa pela celebração do contrato fosse exclusivamente do autor, isso soa como um desatino, típico caso da parte alegar sua própria torpeza.
Inacreditável!!!
É nulo o contrato, disso não há como fugir. Porém, em face das peculiaridades do Direito Laboral, regido por normas tutelares que visam proteger o hipossuficiente, não há que se emprestar à nulidade decretada o efeito ex tunc, porquanto impossível o retorno das partes contratantes ao status quo ante.
Assim, reconheço a nulidade, contudo, empresto a ela os efeitos ex nunc, ou seja, de agora para frente, subsistindo incólumes os direitos trabalhistas normais, até a data da decretação da nulidade, já que tais parcelas decorrem como retribuição ao serviço prestado.
A propósito, vejamos os abaixo, nesse sentido:
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL - NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO HOMOGÊNEA E SISTEMÁTICA - A Constituição, Célula Mater do ordenamento jurídico da Nação, jamais poderá ser interpretada à luz de um dispositivo isolado, sob pena de ser transformada em instrumento autofágico de seus princípios e finalidade. A regra do concurso público prévio, contida no art. 37, II, é dirigida ao administrador e tem que ser compatibilizada com a realidade do trabalho desempenhado e que, sob o ponto de vista do Direito do Trabalho, desenvolveu-se de modo irrepreensível, donde não se poder dar à declaração de sua nulidade efeitos ex tunc. O administrador do dia não pode transferir sua responsabilidade ao assalariado e esperar que a Justiça do Trabalho - ou qualquer outro ramo do Judiciário - venha coonestar a sua torpeza. Tal procedimento, além de antijurídico, atenta contra a própria Constituição Federal (art. 1º, III; 3º I, III e IV; 6º e 193, dentre outros). RO conhecido e provido para deferir os direitos constitucionalmente assegurados ao assalariado. (TRT 7ª R. - RO 03602/99 - Ac. n.º 05616/99-1 - Rel. Juiz José Ronald Cavalcante Soares - J. 12.08.1999).
Ou, ainda:
CONTRATO DE TRABALHO - NULIDADE - MUNICÍPIO CONTRATAÇÃO IRREGULAR. TEORIA DAS NULIDADES. 1- no direito do trabalho, a teoria das nulidades é antípoda daquela do direito privado; e, como a força de trabalho não pode ser devolvida, para evitar enriquecimento ilícito do empregador, a nulidade do contrato atua apenas ex nunc (para o futuro) e não ex tunc (para o passado). 2- devidos, portanto, os direitos trabalhistas que, juridicamente, se constituem em salário diferido, vinculando-se ao mesmo tempo de prestação de serviço. 3- inclusive porque ao município não é dado argüir em juízo sua própria torpeza, sendo inegavelmente o responsável pela contratação irregular (TRT - RJ - RO nº 06176-90 Rel. Juiz AZULINO JOAQUIM DE ANDRADE FILHO).
Equivale dizer que a nulidade não pode ter a drástica conseqüência de destruir os efeitos já produzidos pelo ato, até porque houve a efetiva prestação de serviço, pelo autor. Negar a contraprestação, porque nulo o contrato, configura afronta o princípio que veda o enriquecimento ilícito e, ao meu ver, de modo algum prestigia a moralidade administrativa.
Entender ao contrário seria o mesmo que: por se tratar de ente da Administração Pública, é moralmente aceitável beneficiar-se da mão de obra do trabalhador sem remunerá-lo corretamente. Obviamente, isso seria um absurdo, eis que o administrador, em matéria de retidão e observância das normas, deveria ser o paradigma a ser seguido pelos administrado, com uma conduta exemplar, digna, acima de qualquer suspeita. Contudo, lamentavelmente, a realidade revela exatamente o oposto.
Friso uma vez mais: A Constituição da República colocou o trabalho como um valor social, um dos fundamentos do Estado Democrático do Direito (art. 1º, IV), tanto que a ordem econômica deve estar fundada na valorização do trabalho (art. 170) e a ordem social tem como base o primado do trabalho (art. 193). A interpretação dos dispositivos constitucionais deve cercar-se de extrema cautela, como revelada nos julgados acima apontados.
Via de conseqüência, com fulcro nos fundamentos acima lançados e estando previstas na legislação trabalhista e não havendo prova nos autos de seu pagamento, DEFIRO ao reclamante as seguintes parcelas:
a) aviso prévio com a integração do período ao tempo de serviço;
b) 06/12 de 13º salário e férias proporcionais + 1/3 de abono;
c) FGTS + 40% de multa - durante o período reconhecido;
d) multa do art. 477, § 8º da CLT;
e) anotações na CTPS.
INDEFIRO, por outro lado, o saldo de salário, já que foi pago, conforme se revela o documento de f. 52.
03 - HORAS EXTRAS, RSR e REFLEXOS
Sendo a sobrejornada uma exceção à regra da jornada normal de trabalho, torna-se, por conseguinte, imprescindível a existência de prova satisfatória nesse sentido, pois a presunção elucida apenas os fatos normais. Neste aspecto, o ônus probatório era do autor (art. 818 da CLT e 333, I, do CPC), do qual não se desincumbiu satisfatoriamente, eis que nenhuma prova foi produzida para avalizar as alegações lançadas na petição inicial.
Defiro, a dobra, prevista na Lei nº 605/49 (art. 9º), relativamente aos dias de descanso semanal remunerado que foram trabalhados (todos no período contratual, o que restou incontroverso), devendo o valor ser apurado em liquidação de sentença, atentando-se para o fato que o dia já foi pago, restando apenas o pagamento de mais uma vez, que somado aquele já feito, resultará na dobra.
Assim a jurisprudência:
REPOUSO SEMANAL REMUNERADO E FERIADOS - PAGAMENTOS EM DOBRO - Comprovado o trabalho em dias de repouso e feriados, sem a devida folga compensatória, impõe-se o pagamento em dobro das horas trabalhadas, por força do art. 9º, da Lei nº 605, de 1949 (TRT - 15ª R. - RO 13738/2000 - Rel. Juiz Luiz Antônio Lazarim).
04 - DA REMESSA DE OFÍCIO
Defiro a remessa de oficio a DRT/MT, em face das irregularidades existentes (falta de anotação na CTPS, não pagamentos das verbas rescisórias e falta de recolhimento dos encargos).
Oficie-se, também, o MPT, para as providências administrativas, se for o caso, visto que a reclamada - Empresa de Economia Mista Municipal -, sistematicamente, vem contratando trabalhadores sem a realização de concurso público, limitando-se à argüição de nulidade dos contratos de trabalhos, após utilizar-se da mão-de-obra dos obreiros.
05 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Na Justiça do Trabalho não vigora o Princípio da Sucumbência, no que se refere a honorários advocatícios. A matéria é regulada por legislação específica (Leis 1.060/50, 5584/70 e 7.115/83), a qual prevê verba honorária apenas quando a parte, em situação de hipossuficiência econômica (presumida ou declarada), encontra-se devidamente assistida pelo sindicato da categoria profissional, revertendo-se os honorários em favor da entidade de classe assistente. Ausentes os requisitos supra mencionados, não há que se falar em verba honorária.
Defiro, porém, os benefícios da justiça gratuita ao autor.
III - DISPOSITIVO
Posto isto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para, em conseqüência, condenar Empresa Tal a pagar a Fulano, após o trânsito em julgado da decisão, o valor que for apurado em liquidação de sentença, a título de: verbas rescisórias; RSR, com seus reflexos; FGTS + multa de 40%, além da multa prevista no art. 477 da CLT e as anotações na CTPS, além da remessa de ofícios ao MPT e DRT/MT. Indefiro os demais pedidos. Tudo nos limites e parâmetros estabelecidos na fundamentação precedente, que é parte integrante deste dispositivo, para todos os efeitos legais. Custas pela reclamada no importe de R$ 40,00, calculadas sobre o valor de R$ 2.000,00, arbitrado para esse fim. A reclamada deverá efetuar os recolhimentos do INSS, sobre o valor da condenação e do período contratual, sob pena de execução. Sentença publica na forma d Súmula 197 do c. TST. Intime-se o INSS na forma da RA 047/03.
Custas processuais pelo(a) reclamado(a) no importe de R$ 40,00, calculada sobre R$ 2.000,00 que deverão ser recolhidas em cinco(05) dias após a ciência da(s) parte(s). Não efetuado o pagamento no prazo concedido, proceda-se a execução, na forma do art. 790 § 2º da CLT.
Nada mais.
Encerrada às ... horas.
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