Direito Civil - Direto do Consumidor - O Tribunal manteve a condenação do banco a indenizar o dano material causado a cliente que teve seu cartão da conta-corrente clonado. Entretanto, reformou a sentença de 1º Grau para negar os danos morais, por entendê-los ausentes.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao primeiro apelo do Banco, prejudicada a apreciação do segundo apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES (PRESIDENTE E REVISOR) E DESA. HELENA RUPPENTHAL CUNHA.
Porto Alegre, 19 de outubro de 2005.
DES. ERGIO ROQUE MENINE,
Relator.
RELATÓRIO
DES. ERGIO ROQUE MENINE (RELATOR)
Trata-se de apelações contra sentença (fls. 242/252), que julgou parcialmente procedente a ação indenizatória ajuizada por FULANO e BELTRANA contra BANRISUL S/A, para condenar a requerida ao pagamento de R$ 32.344,36, a título de danos materiais, valor a ser corrigido monetariamente pelo IGPM a partir de 12.09.03; bem como em danos morais arbitrados em R$ 9.000,00, corrigido monetariamente pelo IGPM a contar da sentença, incidindo também juros de mora legais, 12% ao ano, a partir da citação.
A sentença condenou a demandada ao pagamento integral das custas processuais, além de honorários advocatícios fixados em 15% do valor da condenação.
Em suas razões recursais (fls. 257/265), o banco requerido alegou que os procedimentos de saques eram feitos pelos autores ou por pessoas autorizadas pelos mesmos, tanto é que foram pagos tributos de veículos dos próprios demandantes. Referiu que os saques eram feitos de forma habitual, atitude esta que é incompatível com atos de clonagem. Sustentou que é ônus dos autores provar que não procederam aos saques dos valores, também sendo ônus destes demonstrar que sofreram situação vexatória por culpa do banco. Sobre os danos materiais, aduziu o banco que a sentença não apresentou qualquer parâmetro para justificar a condenação imposta. Mencionou que simples dissabores não dão causa a dano moral, conforme jurisprudência pacífica. Postulou o provimento do recurso para julgar improcedente a presente ação, ou senão reduzir a condenação dos danos morais em valor condizente com a realidade.
Igualmente inconformado, os autores apelam da sentença (fls. 268/277), sustentando que seja majorada a condenação em danos morais, isso porque o constrangimento e humilhação foram em relação aos autores e suas filhas. Aduziram que a reparação do dano moral não pode ser simbólica, além de que deve cumprir o caráter punitivo, conforme jurisprudência do STJ e do TJRS. Mencionaram que a condenação da sentença deve ter aplicação de juros compostos, de acordo com entendimento do STJ. Postularam o provimento do recurso, inclusive para manter o benefício de justiça gratuita.
Tempestivos os recursos. Preparado o apelo do banco demandado (fl. 266 verso) e ausente de preparo o recurso dos autores em face da justiça gratuita. Recebidos no duplo efeito (fls. 257 e 268).
Em contra-razões (fls. 280/296), os autores/apelados rebateram as alegações apresentadas, requerendo a manutenção da sentença.
É o relatório.
VOTOS
DES. ERGIO ROQUE MENINE (RELATOR)
I - Quanto ao apelo do banco requerido
Alega a instituição financeira em razões de recurso, que inexistem nos autos qualquer elemento de prova no sentido de que houve a referida “clonagem” do cartão magnético pertencente aos autores.
Parece-me, todavia, que a sentença foi categórica quanto ao reconhecimento do ato negligente do banco, especialmente quando se valeu das regras do CDC para solução da causa.
Assim, de acordo com as regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 14, verifica-se que foi adotada a teoria da responsabilidade objetiva, senão vejamos:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. grifei.
Por sua vez, o parágrafo 3º, do mesmo artigo, estabelece as situações excludentes da responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços quando existe um acidente de consumo, vejamos:
Art. 14. (...)
(...)
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Verifica-se, do exame dos autos, que os demandantes ao apresentares os fatos, anexaram os documentos que comprovam a retirada dos valores de sua conta-corrente (fls. 28/46). Também anexaram o registro de ocorrência (fl. 47), bem como solicitação à instituição financeira sobre o ocorrido, tanto é que esta procedeu o imediato bloqueio de todos os cartões referentes a conta-corrente dos autores (cf. fl. 46).
Incontroverso, portanto, que o banco requerido reconheceu a existência de “clonagem” nos cartões magnéticos dos autores, pois não havia outro motivo para proceder o mencionado bloqueio.
A rigor, é de ressaltar que essa modalidade delitiva (clonagem de cartões) é pública e notoriamente conhecida, inclusive com ampla divulgação nos meios de imprensa. Por maior razão deve o banco estar atento a isso, inclusive devendo ter equipamentos de segurança, tal como exige a Lei 7.102/83, art. 2º, inc. I.
Dessa forma, tenho que o caso dos autos enquadra-se perfeitamente no que dispõe o artigo 14, do CDC. Somente seria afastada a responsabilidade objetiva da instituição financeira se esta provasse a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro ou mesmo que, prestado o serviço, o defeito inexistiu em conformidade do que dispõe o parágrafo 3º, do artigo 14, do CDC.
Desta prova o banco não se desincumbiu. A instituição financeira não provou a culpa exclusiva do consumidor ou mesmo de terceiro e nem mesmo a inexistência de defeito na prestação do serviço. Não havendo incidência das situações excludentes previstas no parágrafo 3º do artigo 14, do CDC, resta configurada a responsabilidade da instituição financeira no tocante aos danos patrimoniais sofridos pelos correntistas.
Nesse mesmo sentido:
“RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CLONAGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 14, DO CDC. De acordo com as regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 14, verifica-se que foi adotada a teoria da responsabilidade objetiva. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. Surge o direito a indenização por danos morais quando provada a existência do ato ilícito do qual resulta dano havendo nexo de causalidade entre o ato e o resultado. VALOR DA INDENIZAÇÃO. A indenização do dano moral deve ter duplo efeito: reparar o dano, compensando a dor infligida à vítima e punir o ofensor, para que não reitere o ato contra outra pessoa. Valor reduzido no caso em exame. APELO PARCIALMENTE PROVIDO”. (Apelação Cível Nº 70006499743, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 20/04/2005)
“RESPONSABILIDADE CIVIL DOS BANCOS. CLONAGEM DE CARTÃO ELETRÔNICO. SAQUES DA CONTA CORRENTE. DANOS MATERIAIS. 1) PRELIMINAR DE NULIDADE DE SENTENÇA: NÃO HÁ NULIDADE DE SENTENÇA QUE APRECIA OS FATOS. DANDO-LHE CAPITULAÇÃO JURÍDICA DIVERSA DA POSTULADA NA INICIAL. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. 2) DEFEITO NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS: A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS FORNECEDORES DE SERVIÇO E OBJETIVA. NÃO SE EXIGE A PRESENÇA DE CULPA, BASTANDO A CONSTATAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO (ART. 14, PAR.1, DO CDC). O ÔNUS DA PROVA DA INEXISTÊNCIA DE DEFEITO É DO FORNECEDOR (ART. 14, PAR.3, INC.I, DO CDC). 3) SAQUES INDEVIDOS COM CARTÃO ELETRÔNICO: SUSPEITA FUNDADA DE CLONAGEM DO CARTÃO MAGNÉTICO DO CORRENTISTA POR SAQUES DE VALOR ELEVADO EM DIFERENTES LOCAIS EM CURTO ESPAÇO DE TEMPO. AUSÊNCIA DE PROVA PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DA INEXISTÊNCIA DE DEFEITO NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. TÍPICO ACIDENTE DE CONSUMO CARACTERIZADO. 4) CULPA DO CORRENTISTA: O ÔNUS DA PROVA DA CULPA EXCLUSIVA OU CONCORRENTE DO CORRENTISTA PELA UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO CARTÃO ELETRÔNICO É DO FORNECEDOR (ART.14 PAR-3 , INC-I DO CDC). INOCORRÊNCIA DE CULPA DO CORRENTISTA PELO SIMPLES FATO DE SUA SENHA TER SIDO DESCORBERTA POR FRAUDADORES. 5) DANOS PATRIMONIAIS: LIMITAÇÃO DA INDENIZAÇÃO PLEITEADA AOS DANOS MATERIAIS EFETIVAMENTE SUPORTADOS PELO AUTOR. NÃO ACOLHIMENTO DO PEDIDO DE DEVOLUÇÃO EM DOBRO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA REFORMADA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (FLS. 12) (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70002513182, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: PAULO DE TARSO VIEIRA SANSEVERINO, JULGADO EM 24/10/2001)”
RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. SAQUE DE TERCEIRO POR CARTÃO MAGNÉTICO.
Quando as circunstâncias dos autos colaboram com as razões de experiência comum, referidas no art. 335 do CPC, a respeito dos fatos alegados, firmando a versão do correntista, sobre não ter sacado o valor retirado de sua conta, cuidando-se de contrato de depósito bancário, a que se aplicam as regras do mútuo, forçoso reconhecer que res perit domini, respondendo o banco pelo valor subtraído.
Em se cuidando de pessoa idosa, que buscou fazer valer sua palavra junto ao PROCON, ao Ministério Público Federal e ao Poder Judiciário, reconhece-se a presença de ofensa capaz de gerar o dano moral, na recusa do banco em devolver a quantia. Responde o banco pela falha dos seus serviços (art. 14 do CDC), em que causou ao cliente compreensível apreensão.
QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL. O valor da indenização deve ser aferido diante de parâmetros balizadores proclamados na doutrina e na jurisprudência, com preponderância de bom senso e da razoabilidade do encargo, bem assim com atenção aos valores arbitrados em outras indenizações análogas, quando existirem.
CONTRA-RAZÕES. Não cabe ao apelado pedir a reforma do quantum arbitrado como indenização nas contra-razões, pois a apelação ou o recurso adesivo, no caso de sucumbência parcial, constituem os meios hábeis para tanto.
Apelação desprovida.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 70003713419, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS, JULGADO EM 24/04/2002)
Sobre o quantum dos danos patrimoniais, reporto-me aos fundamentos da sentença: “A requerida fez defesa bastante genérica e deixou, por exemplo, de impugnar especificamente o valor do desfalque apontado pelos demandantes” (cf. fl. 250).
Na inicial da demanda, os autores juntaram extratos onde constam vários saques na conta-corrente dos autores, relativamente ao período de junho a setembro de 2003. Referem os demandantes que os desfalques na sua conta atingem o total de R$ 32.344,36.
O banco requerido não apresentou, de fato, qualquer impugnação acerca do valor dos desfalques informado pelos autores. Neste contexto, é presumir que a quantia de R$ 32.344,36 foi o total dos prejuízos sofridos pelos demandantes, isso com base na máxima de que “fato não impugnado presume-se como verdadeiro”.
No tocante a condenação em danos morais, entendo que a solução deve ser diversa.
Nesta matéria que se refere a dano moral, muito me preocupa a forma comum com que vem sendo tratada.
Ao me questionar assim, pareceu-me incômodo constatar que, estando o homem e o mundo a carecer de paz social, em razão de constantes relações sociais opressivas, adversas, a ponto de desenvolver nele um sentimento de agressividade como forma necessária de sobreviver, venha propor-lhes agora, todavia, mais questões técnicas, formais. Há que se olhar, realmente, para a sofrida inquietação humana deste século, capazes de, verificando as causas das desigualdades e das diferenças, estabelecer, enfim, as corretas diretrizes do justo.
Sempre entendi que dano moral indenizável é aquele decorrente de uma experimentação fática grave, invasiva da dignidade da criatura humana, e não conseqüências outras decorrentes de uma relação meramente contratual ou de percalços do cotidiano.
Na tarefa de remover esta dúvida, este conflito, pesquisei e colaciono os ensinamentos de Orlando Gomes que escreveu sobre as diferenças entre o dano moral ou extrapatrimonial e o patrimonial: “A expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüências de ordem patrimonial (o verdadeiro o próprio prejuízo econômico), ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial (o sofrimento psíquico ou moral, as dores, as angústias e as frustações inflingidas ao ofendido)” Apud, Cahali, Yussef Said, 2ª edição, Danos Morais, Editora Revista dos Tribunais, p. 19-20, Orlando Gomes, n. 195, P. 332. (esclareci e grifei).
Aliás, entendo exata a lição do professor.
Do mesmo modo, e não por outra razão, vem sendo essa doutrina reafirmada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, sob pena de banalização do dano moral. (Confira-se: Resp nº 217.916-RJ, 4ª Turma, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, DJU de 11.12.2000; Resp. nº 215.666-RJ, 4ª Turma, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJU de 29.10.2001 e Resp. nº 203.225-MG, 4ª Turma, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 05.08.2002)
No caso concreto, a sentença condenou o banco demandado ao pagamento do valor equivalente a R$ 9.000,00 de danos morais, isso porque “os autores sofreram angústia e aflição por desconhecerem o que realmente havia acontecido” (cf. fl. 252).
Todavia, não me parece que os autores sofreram essa “angústia ou aflição” tão grave ao ponto de gerar danos morais.
No caso dos autos, houve o desfalque na conta-corrente dos autos conforme já referido. Todavia, esses fatos não tiveram qualquer repercussão pública, tampouco culminaram com encerramento da conta bancária e/ou com o lançamento do nome dos autores nos cadastros de inadimplentes.
O único “constrangimento” dos autores foi o de dirigir-se até a agência bancária, noticiar os fatos ocorridos e pedir o bloqueio dos cartões magnéticos da conta-corrente. Inocorreu, assim, qualquer constrangimento público ou situação vexatória, a oportunizar aos autores danos morais, “como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”. (In, Cahali,, Yussef Said)
Tenho reiteradamente firmado posição no sentido de que dano moral deve ser demonstrado inequivocamente, sendo que atitudes similares a presente, que, ao meu ver, configuraram mero dissabor, não podem ensejar responsabilidade civil.
II - Quanto ao apelo dos autores
Em face do acolhimento da apelação do banco quanto o afastamento da condenação em danos morais, por via de conseqüência resta prejudicada a inconformidade manejada pelos autores.
Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à apelação do banco, para efeito de afastar a condenação em danos morais. De outro lado, resta prejudicada a apreciação do apelo dos autores.
Mantenho os ônus sucumbenciais fixados na sentença
DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES (PRESIDENTE E REVISOR) - De acordo.
DESA. HELENA RUPPENTHAL CUNHA - De acordo.
DES. PAULO AUGUSTO MONTE LOPES - Presidente - Apelação Cível nº 70012740437, Comarca de Rio Grande: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO APELO, DO BANCO, FICANDO PREJUDICADA A APRECIAÇÃO DA SEGUNDA APELAÇÃO. UNÂNIME"
Julgador(a) de 1º Grau: BENTO FERNANDES DE BARROS JUNIOR
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