Julgados - Advocacia - Segunda-feira, 19 de setembro de 2005
Na última década, o Brasil assistiu a uma verdadeira explosão no ensino de direito que atingiu todas as regiões do país. A expansão desenfreada no número de cursos jurídicos alcançou um percentual de nada menos do que 326,6% de 1991 a 2003. De 165 faculdades em atividade em 1991 o país passou a contar com 704 unidades em 2003, distribuídas em 477 instituições de ensino superior com diferentes turnos e endereços.
A estatística é do Ministério da Educação e Cultura (MEC), mas dados mais recentes, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que os cursos de direito já somam 864 no país. No entanto, é difícil associar esse crescimento a um maior acesso à Justiça ou à existência de advogados mais preparados. Basta analisar o exemplo de São Paulo, que conta com o maior número de cursos, mas também é o Estado com o mais alto nível de reprovação no Exame da Ordem: 92,84% na última prova, o pior resultado já alcançado e o ápice de uma série histórica de índices cada vez piores.
Diante do quadro alarmante, o MEC, o Conselho Nacional de Educação (CNE) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) trabalham em conjunto desde outubro do ano passado para estudar alternativas. Um dos primeiros resultados do grupo de estudo formado pelas entidades foi a conclusão de um documento com propostas de mudanças estruturais no processo de autorização e renovação do credenciamento de cursos jurídicos. No entanto, desde a sua conclusão, em março, nenhum novo passo foi dado e a OAB aguarda até agora uma resposta do MEC.
Uma das propostas mais importantes e também mais polêmicas do relatório do grupo de estudo é o conceito de "necessidade social", uma análise que o grupo propõe que seja feita sobre a região antes da autorização para a abertura de uma nova escola de direito - a começar pela população mínima de 100 mil habitantes para justificá-la. "Para se criar um novo curso em uma cidade é necessário que o lugar apresente uma infra-estrutura mínima para acolhê-lo, o que implica ter campo para estágio, condições de fixação do corpo docente no lugar e biblioteca especializada, além de ensino médio de qualidade", avalia Paulo Medina, presidente da Comissão de Ensino Jurídico da OAB e representante da entidade no grupo de trabalho criado no MEC.
A falta de análise de critérios como este faz com que haja um verdadeiro exagero na oferta de cursos em algumas localidades do país. Em 2003, 142 escolas tiveram uma relação candidato/vaga menor do que um, ou seja, com menos interessados do que matrículas disponíveis nos processos seletivos. E, apesar de a média nacional ter sido de 3,17 candidatos por assento nos cursos de direito, 57.572 das 197.988 vagas existentes - ou seja, 29% delas - não foram preenchidas.
Considerando todas as regiões do país, a proliferação do ensino jurídico produziu uma relação de 241.192 habitantes por curso, tendo como referência o total da população brasileira. A título de comparação, nos Estados Unidos, onde o número de cursos jurídicos é muito inferior ao brasileiro e a população é muito maior, são 1,489 milhão habitantes por escola jurídica. No ano passado, os americanos tinham à disposição 189 cursos de direito, quando em 1990 eram 175.
O critério de infra-estrutura e de uma população mínima por vaga, no entanto, não encontra unanimidade nem no grupo que produziu o relatório final do documento, já que cidades e populações sem acesso à Justiça tenderiam a ficar cada vez mais distantes de seus direitos sem a existência de formação local para advogados e representantes do Judiciário. "O problema do acesso à Justiça é de organização judiciária, das defensorias públicas, não é a falta de bacharéis. Não adianta um alto número deles se forem mal formados", critica Medina, morador de Juiz de Fora, interior de Minas, onde já há, segundo ele, seis cursos de graduação em direito e um sétimo aprovado pelo CNE. Isso, numa população total próxima de meio milhão de pessoas, já feriria o critério da necessidade social, pois significaria 71,428 mil habitantes por faculdade.
No início deste ano, a pedido da OAB, o MEC suspendeu por 90 dias a concessão de autorizações para o funcionamento de novos cursos de direito no país. Mas desde maio elas foram retomadas. Hoje, segundo o secretário de educação superior do MEC, Nelson Maculan, há mais de 30 processos de novos cursos jurídicos para serem homologados pelo ministro Fernando Haddad. Mas o secretário-adjunto Ronaldo Teixeira diz que os novos processos já estão levando em conta os critérios de necessidade social e desenvolvimento regional. No entanto, com um viés inverso ao proposto pela OAB. "Necessidade social é a necessidade de aquela região ser atendida, e o fato de não ter infra-estrutura prévia talvez seja até um motivo para a instalação de um curso de direito e podemos autorizar este curso antes do de qualquer outro grande centro", afirma.
O secretário do MEC, Nelson Maculan, afirma que já está prevista a realização de um seminário nacional em Brasília para discussão de mudanças nas exigências para os cursos de direito e de medicina, com a publicação do relatório do grupo de estudo formado no ministério. Mas, para que as propostas sejam efetivamente colocadas em prática, o MEC aguarda a aprovação do anteprojeto da Lei Orgânica da Educação Superior, atualmente com a sua terceira versão ainda na Casa Civil, diz Teixeira. Segundo o secretário, a análise já está em sua fase final e, em breve, o texto deve ser submetido ao Congresso Nacional.
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