Julgados - Dano Moral - Terça-feira, 20 de setembro de 2005
O adolescente L.A.S. vive há 16 anos o drama de uma deficiência visual causada pelo espancamento que sofreu dentro de um hospital no interior paulista. Em mais um capítulo da batalha judicial pela reparação do dano moral, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não atendeu ao pedido da Universidade de Taubaté para que fosse revisto o valor da indenização fixado nas instâncias anteriores. Segundo os autos, feitas as correções, o valor da indenização, em setembro de 2002, alcançava R$ 1,73 milhão.
O julgamento do recurso coube à Terceira Turma, que, por maioria, entendeu somente ser possível revisar indenização por danos morais quando o valor fixado for exageradamente alto ou baixo. Para o ministro Humberto Gomes de Barros, que relatou o acórdão, a indenização deve ter conteúdo didático para coibir reincidência do causador do dano, sem enriquecer a vítima. Acompanharam esse entendimento os ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi. Com isso, a condenação da Unitau chegaria a R$ 2,27 milhões, somadas a indenização, a pensão mensal e os honorários advocatícios.
O relator do recurso, ministro Castro Filho, votou pela redução da indenização para R$ 200 mil. Para o relator, a fixação do valor deveria levar em consideração a capacidade financeira da ré, que é mantenedora de um hospital prestador de serviço à comunidade gratuitamente. Acompanhou este entendimento o ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Filho de pais pobres e com alimentação insuficiente, aos nove meses de idade, L. foi internado em hospitais de outras duas cidades próximas a Taubaté, até ir parar no Hospital-Escola da Unitau. Sofria de moléstia pulmonar, tossia e seu peito chiava. Mas respondia bem ao tratamento e os médicos consideravam para breve a sua alta, conforme destacou a sentença de primeiro grau.
Porém, na noite de 25 de março de 1989, o estudante do 6º ano do curso de medicina Flávio Baumgart Rossi, no exercício da função de médico residente plantonista do hospital, espancou o bebê. Apareceram em L. hematomas na cabeça, rosto, braços e pernas. Em razão da agressão sofrida, L. ficou cego.
O espancamento foi visto por um auxiliar de enfermagem e a polícia foi avisada. Em 22 de novembro de 1993, Flávio foi condenado a sete anos e quatro meses de reclusão por crime de lesões corporais gravíssimas, mas, foragido, não chegou a cumprir pena. Flávio sempre negou a acusação.
Em indenização por danos materiais e morais, a 2ª Vara Cível da Comarca de Taubaté, em primeira instância, julgou parcialmente procedente o pedido e condenou a universidade, em solidariedade com o co-réu, ao pagamento de R$ 650 mil (cinco mil salários mínimos à época), com correção monetária e juros moratórios a partir de 26 de maio de 1994, por culpa (in vigilando e in elligendo), além de pensão alimentícia vitalícia no valor de dois salários mínimos mensais, desde março de 1989.
Também determinou o custeio de tratamento no Hospital Israelita Albert Einstein, necessário à tentativa de recuperação do menino, além de tratamento específico que for indicado, mesmo que em outro hospital do Brasil ou do exterior. Ainda deverá ser custeado o curso completo de braile em escola especializada, com despesas materiais e instrumentais, viagem e hospedagem, inclusive de acompanhante. Em decisão liminar, o juízo arbitrou pensão provisória de dez salários mínimos que, do que constam dos autos, estão sendo pagas pela universidade.
A Unitau apelou ao TJ/SP argumentando valor excessivo da indenização e da pensão mensal e redução de honorários advocatícios. A universidade também suscitou que a ação de indenização foi proposta fora do prazo legal. Os fatos ocorreram em março de 1989, e a ação foi proposta em abril de 1994, data que estaria além dos cinco anos previstos para ações envolvendo pessoas jurídicas de direito privado.
No entanto a Sexta Câmara de Direito Privado do TJ/SP não atendeu ao recurso. Inicialmente o argumento de prescrição foi rejeitado, pois esta não corre contra os absolutamente incapazes. O acórdão reconheceu a responsabilidade solidária no ato praticado pelo estudante residente, ressaltando que a condenação na esfera penal torna inquestionável o fato. Os desembargadores mantiveram o valor da indenização porque entenderam que a quantia obedeceu à razoabilidade e à realidade, "levando em consideração o grau de culpa, a posição do ofendido e a capacidade financeira da universidade".
Ao Superior Tribunal de Justiça, a Unitau argumentou que o valor fixado para a indenização é excessivo e fora dos padrões traçados pelo STJ. A instituição rechaça a maneira como foi estabelecido o valor, qual seja, pelo grau de culpa e capacidade econômico-financeira da universidade.
A defesa da instituição condenada afirma ter comprovado que jurisprudência majoritária dos tribunais fixa indenização por danos morais em quantia não superior a 500 salários mínimos e pensão vitalícia de meio a dois salários mínimos por mês, até mesmo em casos de danos mais graves do que o tratado no processo, como a ocorrência de morte.
Por isso, a instituição sustenta que, se o paciente enxerga parcialmente, locomove-se sem ajuda de terceiros, pode trabalhar e ainda recebe pensão vitalícia de R$ 800 mensais, a quantia de cinco mil salários mínimos fixada na sentença e confirmada pelo TJ/SP é exorbitante e notória.
A universidade calculou que com 300 a 500 salários mínimos seria possível adquirir os bens relacionados na sentença, inclusive uma moradia adaptada à deficiência na cidade Conceição dos Ouros (MG). Para a defesa, o "fato isolado ocorrido no hospital universitário não pode dar ensejo a enriquecimento sem causa, sob pena de inviabilizar o funcionamento da própria instituição de ensino mantenedora".
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