Julgados - Direito Militar - Quinta-feira, 22 de dezembro de 2005
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a exoneração de policial militar goiano decorrente de processo administrativo por conduta moral diversa dos interesses da Administração, mesmo que praticada fora do horário e local de trabalho. O policial foi flagrado por outros soldados praticando ato libidinoso com outro homem, em local afastado dentro de um bosque.
Levado à corregedoria da PM e confessando ser homossexual, instaurou-se sindicância. O policial teve oportunidade de apresentar sua versão e defender-se por escrito. Concluído o processo, o comandante-geral da PM, por recomendação do corregedor-geral, licenciou o impetrante por conveniência do serviço público, sob o fundamento de infringência à ética policial-militar.
Para o homossexual, o licenciamento foi motivado por discriminação em relação a sua orientação sexual. Sua conduta, alegou, não estaria listada no Código Penal Militar. Seria, no máximo, atentado violento ao pudor [art. 233 do Código Penal], mas não teria sido nem mesmo lavrado termo circunstanciado da ocorrência, o que impediria o julgamento pela corregedoria de polícia. Ainda que fosse punido, sustentou, caber-lhe-ia tão-somente a pena de advertência, jamais a exclusão da corporação.
Afirmou que "sempre honrou com zelo o nome da instituição e em momento algum procedeu de maneira vergonhosa; sua opção sexual sequer é de conhecimento dos demais soldados; seus atos sexuais são feitos fora do comando, sem uniforme e sem nenhum objeto que o identifique como policial". A decisão do Tribunal de Justiça local, que também negara a segurança ao ex-policial, seria igualmente discriminatória.
O ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do recurso, afirmou inicialmente a possibilidade do licenciamento do policial militar em estágio probatório por conveniência do serviço. No caso, o impetrante teria infringido a Lei n. 8.033/75 [art. 27 – O sentimento do dever, o denodo policial-militar e o decoro da classe impõe, a cada um dos integrantes da Polícia Militar, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com observância dos seguintes preceitos da ética policial-militar: IX- ser discreto em suas atitudes, maneiras e em sua linguagem escrita e falada; XIII- proceder de maneira ilibada na vida pública e na particular; XVI- conduzir-se, mesmo fora do serviço ou na inatividade, de modo que não sejam prejudicados os princípios da disciplina, do respeito e do decoro policial-militar"].
Para o comandante-geral da PM goiana, o fato de o impetrante ter sido flagrado por soldados da própria polícia praticando sexo oral passivo com outro rapaz em local afastado dentro de um bosque, por volta das 15h30, constituiria ao mesmo tempo ilícito penal e transgressão disciplinar. O ministro considerou que o tribunal estadual julgou o mandado de segurança contra a decisão da PM do ponto de vista técnico jurídico e não embasado na opção sexual do impetrante, conforme alegado.
"O Bosque do Botafogo fica em frente ao Parque Mutirama. É freqüentado por famílias, faz limite com o Instituto Araguaia (escola tradicional em nossa capital, que ministra o ensino fundamental); é destinado a caminhadas por parte dos moradores da região e, por fim, possui uma passarela que liga dois bairros (Setor Vila Nova e Setor Central), sendo, portanto, utilizado diariamente pelos transeuntes para os mais diversos fins. Como se vê, foi por demais infeliz o impetrante na escolha do local para a prática de atos homossexuais. O flagrante se deu por volta das 15h. No meio do dia. O bosque não tem mata fechada, para poder afirmar-se que estava escondido com seu parceiro", afirma o documento da TJ-GO.
"O fato de ser o local ‘ponto de paquera homossexual’", segue o documento, "em nada suaviza a gravidade do problema, pois, conforme declarou o SD PM [...], ali se ‘praticam atos sexuais, perturbando o bom costume e ainda intimidando os que procuram inadvertidamente freqüentar o bosque em busca de um refúgio cotidiano. O próprio impetrante disse que foi ‘para detrás de uma árvore’ com seu parceiro, ou seja, não se cogitando, sequer, sobre a possibilidade de se retirar do local para a satisfação de seus desejos".
"Resta agora imaginar o impetrante, no desempenho de suas funções policiais, flagrar aquele seu parceiro (ou outro que por ventura com ele ali teve encontros da natureza como a aqui tratada)... Como poderia abordá-lo? E, por outro lado, sendo freqüentador daquele meio, em qualquer outra atividade policial, poderia facilmente ser reconhecido e colocar toda a equipe em situação vexatória", afirmou o voto condutor da decisão estadual.
Que conclui: "Como visto, o autor, não obstante sua discrição familiar e em meio aos seus colegas militares, quanto à sua opção sexual, em nada era discreto fora destes ambientes, pois escolher um bosque público, freqüentado por crianças e cidadãos que buscam um lazer sadio é o cúmulo da insolência, da imprudência. Indaga-se por fim, existe conveniência em se manter o impetrante nos quadros da polícia militar? Não a vejo."
Afirma o ministro Arnaldo Esteves Lima que, apesar de o impetrante pretender dar a conotação de que sua dispensa se deu em razão de discriminação por sua opção sexual, não foi o que ocorreu. Os policiais, fazendo patrulhamento regular de segurança no local, encontraram o impetrante na prática do ato libidinoso e o abordaram, exigindo identificação, como fariam com qualquer outro cidadão em situação semelhante. Dessa forma, o relator não vislumbrou no licenciamento perseguição, discriminação ou qualquer outro ato atentatório à dignidade do ex-policial, mas apenas o descumprimento de normas do regulamento da PM goiana, além de a prática constituir-se em crime. "Tivesse o impetrante sido flagrado em ato obsceno com uma mulher, em idênticas condições do presente caso, penso que o desatar dos fatos não levaria a resultado diferente", afirmou.
Para o ministro, se a Administração, após sindicância, entendeu que a conduta do impetrante não condiz com a ética e a moral policial-militar, o ato de licenciamento é plenamente válido, já que, em estágio probatório, o Poder Público pode decidir pela manutenção ou não de um servidor dentro de seus quadros, desde que observados os princípios da ampla defesa e do contraditório, como no caso. Por tais razões, a Quinta Turma negou o recurso em mandado de segurança contra a decisão estadual.
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