Notícias - Advocacia - Quarta-feira, 5 de outubro de 2005
O Brasil já conta atualmente com 881 cursos de Direito autorizados a funcionar, o que comprova o acerto da Ordem dos Advogados do Brasil na defesa de um urgente freio de arrumação que imponha critérios mais rigorosos para autorização de novos cursos, de modo a incentivar a qualidade e barrar as faculdades caça-níqueis. Esta é a conclusão que ressalta da entrevista concedida à Rádio OAB pelo presidente da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, Paulo Roberto Medina.
Segundo Medina, conselheiro federal da OAB por Minas Gerais, esse número assustador de cursos de Direito no Brasil reforça a necessidade de se ampliar o trabalho do “OAB Recomenda”, programa de avaliação da entidade que confere uma espécie de Selo de Qualidade aos cursos que podem ser recomendados no País, cuja lsitagem vem sendo publicada a cada três anos - a próxima será no final de 2006, mas já começou a ser analisada.
“Nos Estados Unidos, os cursos de direito considerados como de alta qualidade são aqueles aprovados pela American Bar Association, que não passam de uns 185 cursos. Já No Brasil, nós temos hoje 881 cursos autorizados a funcionar, dos quais não se sabe exatamente quantos mereceriam a mesma qualificação que nos Estados Unidos é conferida pela nossa congênere americana”, observou Medina.
Na entrevista, Medina voltou a fazer vigorosa defesa da qualidade do ensino como pré-condição para formação de bacharéis competentes, capazes de passar não só no Exame de Ordem mas de atender à expectativa da cidadania brasileira.“O que se nota é que o crescimento desordenado dos cursos, a massificação dos cursos, com um número exagerado de matrículas, a falta de seleção adequada de candidatos e a deficiência, mesmo do corpo docente de muitos desses cursos, acaba resultando numa queda da qualidade de bacharéis”, sustentou.
A seguir, a íntegra da entrevista do presidente da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, Paulo Medina:
P - Doutor Medina, de que forma o senhor avalia a qualidade dos nossos advogados, tão logo eles saem, deixam as universidades?
R - Os cursos de Direito continuam a formar bacharéis qualificados em todo o país. Haja vista os resultados do Programa OAB Recomenda, que apontou, há dois anos atrás, um elenco de 60 cursos que se tem como altamente conceituados. Há outros cursos, além desses, muitos dos quais não chegaram nem mesmo a ser avaliados, em função dos critérios que nós adotamos, que sem dúvida formam bacharéis de qualidade. Mas o crescimento desordenado dos cursos de Direito, no país, está ponto em risco a formação dos bacharéis. Isso já começa a ser revelado nos resultados do Exame de Ordem em todo o país. No Exame de Ordem, a maioria consegue não alcançar a pontuação exigida. Veja, por exemplo, os resultados do Exame de Ordem em São Paulo, Estado que aplica um Exame de Ordem absolutamente rigoroso. Se formos verificar a origem dos candidatos que se formam, às vezes mais de 60% dos aprovados, veremos que se trata de cursos altamente qualificados, são aqueles cursos que já têm um conceito firmado. O que se nota é que o crescimento desordenado dos cursos, a massificação dos cursos, com um número exagerado de matrículas, a falta de seleção adequada de candidatos e a deficiência, mesmo do corpo docente de muitos desses cursos, acaba resultando numa queda de qualidade dos bacharéis de Direito diplomados no País. Então, não há como dissociar o efeito da causa, ou seja, o crescimento desordenado dos cursos, além da otimização do ensino, traz essa conseqüência que é a queda do nível de qualidade profissional.
P - E qual é a receita ou a proposta para corrigir essas distorções?
R - Eu penso que nós devemos, com relação aos cursos em funcionamento, estar atentos às irregularidades que alguns deles apresentam, e procurar corrigir esses problemas. Para o futuro, nós consideramos que é fundamental, nos processos de autorização de cursos, a observância de critérios de necessidade social e regional. Não se deve autorizar a instalação de um curso em cidades que não tenha infra-estrutura mínima para recebê-lo. Assim como não se deve permitir que se criem novos cursos em cidades que já estão com o meio profissional saturado. Somente quando o curso traga um traço diferencial, em relação aos demais, e quando apresente um tema, um projeto pedagógico que permita prever o desenvolvimento de um curso de alta qualificação, só assim se deverá permitir a autorização do curso. Hoje, há uma facilidade muito grande para a criação de cursos. E isso explica essa proliferação indiscriminada deles.
P - E quais seriam as propostas, doutor Medina, uma vez que a maioria dos estudantes, para se formar bacharel em Direito, procura primeiro pelo preço mais acessível da faculdade? Nesse caso, qual seria a orientação para esse futuro bacharel em Direito?
R - A orientação seria no sentido de que o estudante procure informar-se quanto ao nível do curso. A questão do preço é uma questão mercadológica. O ensino não pode passar por critérios ou orientações dessa natureza. Dentro da Ordem dos Advogados do Brasil, procura-se dar à sociedade referências quanto à qualidade dos cursos. É a isso que visa o Programa OAB Recomenda, no qual duas versões já foram divulgadas, uma ao final da gestão do presidente Rubens Approbato Machado e outra ao final da gestão do presidente Reginaldo Oscar de Castro, assim como uma terceira que será divulgada ao termo da gestão do presidente Roberto Antônio Busato.
P- Qual a importância e o porquê da publicação trienal “OAB Recomenda”?
R - O OAB Recomenda é um instrumento da maior relevância, pelo qual a Ordem procura apontar aqueles cursos merecedores do chamado “Selo de Qualidade”. Trabalho semelhante já desenvolve há muito a American Bar Association, dos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, os cursos de direito são considerados como de alta qualidade e são aqueles aprovados pela Bar, que não passam de uns 185 cursos. No Brasil, nós temos hoje 881 cursos autorizados a funcionar, dos quais não se sabe exatamente quantos mereceriam a mesma qualificação que nos Estados Unidos é conferida pela nossa congênere americana. Por isso, aspiramos a ampliar o trabalho do OAB Recomenda para que ele passe a ser, efetivamente, um referencial para a população, quanto à qualidade dos cursos de direito.
P - Falando em qualidade, a melhor qualidade do ensino de Direito está na faculdade pública ou na faculdade privada?
R - Há cursos oferecidos por universidades públicas de boa qualidade, assim como há no âmbito dos estabelecimentos privados. Sem dúvida que, no cômputo geral - e isso o próprio OAB Recomenda revela - sem dúvida que uma gama de cursos considerados de alta qualidade são os das universidades públicas. Mas nós não podemos esquecer aqueles que são ministrados por instituições concessionais, por instituições privadas mesmo, que são de boa qualidade. O ensino particular no Brasil está hoje pagando o preço do seu crescimento desordenado, da mercantilização que domina muitas instituições. Isso não significa, porém, que não haja cursos privados de boa qualidade. Nós, aliás, fazemos questão de divulgar que a Ordem dos Advogados do Brasil não tem nenhuma restrição pré-concebida ao ensino privado. Nós apenas procuramos combater os cursos privados que atuam como empresas preponderantemente o lucro, antes do que como instituição de ensino. O ensino superior é uma atividade pública, que deve ser desenvolvido com espírito público, podendo ser delegado às instituições privadas que satisfaçam aos requisitos exigidos por lei, pois é isso que diz a Constituição Federal.
P - O que garante à população, à pessoa do povo, de que ela está realmente, buscando o serviço de um advogado bem preparado? O que assegura a qualificação deste profissional, é suficiente sua aprovação no Exame de Ordem?
R - Antes de responder, devo observar que a sua pergunta já constitui uma resposta àqueles que até hoje não aceitam a presença da Ordem dos Advogados do Brasil no campo do ensino jurídico. Quando se faz essa pergunta é porque se parte do princípio de que a Ordem dos Advogados do Brasil tem responsabilidade quanto à qualidade dos bacharéis que ingressam no seu quadro de advogados. Então, a OAB é uma instituição pública que exerce o chamado poder de polícia administrativa sobre a profissão, no templo da advocacia. Para isso é que ela foi criada. E para bem cumprir essa missão ela precisa cuidar não só da inscrição, nos seus quadros, de novos bacharéis, mas também da formação desses bacharéis.
P - O simples fato de um advogado ter passado no Exame de Ordem garante aos que demandam os serviços de um advogado a sua qualificação?
R - Eu diria que o simples fato de um bacharel estar inscrito no quadro de advogados da Ordem não significa, necessariamente, que ele esteja plenamente habilitado. O Exame de Ordem pretende uma habilidade mínima dos candidatos para o exercício da profissão. Pode ser que o bacharel aprovado no Exame de Ordem venha a revelar, no curso da sua atividade profissional, a inaptidão para o exercício da advocacia. Mas nesse caso, se ficar comprovada a inépcia do profissional, por atos reiterados que revelam a falta de competência para o exercício da advocacia, este profissional poderá responder a um processo disciplinar perante a Ordem dos Advogados do Brasil. Porque a inépcia profissional é considerada pelo Estatuto da Advocacia como falta disciplinar.
P - Há então essa figura da inépcia profissional na advocacia, passível de punição?
R - Como Conselheiro Federal já fui relator de mais de um processo instaurado por inépcia profissional. Qual é a conseqüência da comprovação da inépcia? É a suspensão do profissional, que fica, assim, impedido temporariamente de exercer a advocacia até que preste nova prova de Exame de Ordem. Então, nós temos instrumentos para aferir o nível dos advogados que estão exercendo a profissão. Mas é evidente que esses instrumentos não são perfeitos, por si só não asseguram à população que todos os advogados inscritos no quadro da Ordem sejam capazes de proceder corretamente. Por isso, caberá ao cliente informar-se sobre o profissional que vai procurar. Até porque é fundamental para o trabalho do advogado que ele possa merecer realmente a confiança do cliente. É preciso confiança mútua, sem a qual o trabalho não terá êxito. É preciso que o cliente conheça o advogado e nele possa depositar confiança. E, para isso, o cliente deve ter em vista o preceito de que desfruta do advogado da sociedade, ou perante a OAB.
P - Então, como conhecer um bom advogado? A chave estaria na quantidade de causas tidas como positivas na Justiça, ou não é por aí?
R - Necessariamente, não. Creio que é mais pelas informações que o cliente possa obter, primeiro quanto à ética do advogado e, ainda, sobre a sua capacidade profissional. É claro que são esses conceitos objetivos. Mas sempre é preciso saber o nível do profissional que se procura, seja ele um advogado, um médico ou um dentista.
P - Para encerrar, que mensagem o senhor deixaria para aquele jovem que tem o desejo ou a esperança de um dia se tornar bacharel em Direito?
R - A mensagem que eu deixaria como velho advogado, que já caminha para 43 anos de militância em Direito, é para que esse jovem não veja no título de bacharel ou na condição de advogado instrumentos para obter um novo status, ou para ganhar dinheiro. Mas, sim, que ele veja na profissão de advogado um meio de atuar em proveito da sociedade e de forma que ele possa vencer pelo conceito de que desfrute e não por expedientes às vezes reprováveis, que usam aqueles que só têm em vista ganhar dinheiro.
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