OAB condena uso abusivo de algemas e grampo telefônico

Notícias - Diversos - Quinta-feira, 22 de setembro de 2005

O Conselho Seccional da OAB de São Paulo aprovou, por unanimidade, dois votos de repúdio. Um contra o uso abusivo de algemas por parte de agentes de estado durante cumprimento de mandados de prisão. O outro voto de repúdio do Conselho foi contra o uso indevido do grampo telefônico de conversas entre advogado e cliente e sua divulgação.

Em sua exposição de motivos, o presidente da Seccional, Luiz Flávio Borges D´Urso, ponderou que o Brasil é signatário de vários tratados internacionais e no mundo inteiro o uso de algemas é interpretado restritivamente, somente sendo admitido quando há resistência do detido. D´Urso também defende a regulamentação urgente da matéria, face à ausência de lei específica. O outro voto de repúdio do Conselho foi contra o uso indevido do grampo telefônico de conversas entre advogado e cliente e sua divulgação.

Uso de algemas

“A Constituição Federal , em seu Art. 1º, proclama que a República Brasileira é um Estado Democrático de Direito, no qual a dignidade da pessoa humana deve ser inteiramente respeitada (Art.5º,III). Por isso, a OAB-SP alerta sobre a arbitrariedade que vem sendo perpetrada por agentes do Estado , infringindo constrangimento e humilhação desnecessários a cidadãos durante cumprimento de mandados de prisão. Toda operação policial deve se restringir aos ditames da lei, evitando lesões aos direitos e garantias dos cidadãos, alguns que estão na condição de suspeitos ou acusados e amparados pelo princípio constitucional da presunção de inocência; outros, embora condenados também devem ter observada a preservação de sua dignidade.

O uso indiscriminado de algemas constitui um excesso, uma sanção infundada, que foge dos limites da lei brasileira e serve apenas para espetacularizar a diligência policial para a mídia e submeter à execração pública o cidadão que, embora detido, deve ter sua dignidade preservada, não podendo ser submetido a tal constrangimento irreparável, patrocinado por agentes do Estado, que têm o dever legal de garantir o cumprimento dos principais constitucionais e da legislação em vigor.

O Código de Processo Penal, em seu Art. 284 , estabelece que “ não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”. E, no Art., 292, esclarece que somente no caso em que houver resistência à prisão em flagrante ou determinada por autoridade competente, “ o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar de meio necessário para defender-se ou para vencer a resistência”

O Código de Processo Penal Militar é mais explícito. No Art. 234, parágrafo 1º, estabelece que “ o emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso , e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o Art. 242”, ou seja, os beneficiados por prisão especial.

Temos, portanto, de nos balizar por esses dois Códigos, uma vez que o Art. 199, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84), afirma que “ o emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”, o que ainda hão ocorreu passados 20 anos da promulgação dessa lei. Mas, tramita na Câmara Federal projeto de lei do deputado e advogado Wagner Rubinelli, que estabelece os casos específicos para o uso de algema durante cumprimento dos mandados de prisão, proibindo sua utilização quando o réu for primário e com bons antecedentes, não resistir à prisão, não se tratar de prisão em flagrante e não empreender fuga. O projeto, que regulamenta matéria tão importante - torna-se extremamente oportuno e precisaria ser votado com urgência pelo Parlamento.

No Brasil, o emprego de algemas está previsto também na legislação que dispõe sobre segurança de tráfego em águas territoriais brasileira (Lei 9.537/97). O Art. 10, III estipula que o comandante da embarcação pode “ ordenar a detenção da pessoas em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga”.

É importante ressaltar que o Brasil também é signatário de tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica, que prevê que ninguém será submetido a torturas, penas ou tratamento cruel, desumano ou degradante. “ Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com respeito devido à dignidade inerente ao ser humano”. (Art. 5, 2)

Quando o agente do Estado não cumpre o que estabelece a norma jurídica do País e os tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, o abuso – inclusive na utilização de algemas – deve , em tese, constituir crime, previsto na Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65), que no Art. 4, alínea B, estabelece “ submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei”, estando seu autor sujeito às sanções administrativa, civis e penais.

Assim sendo, diante das razões acima expostas, o Egrégio Conselho Seccional da OAB SP aprova voto de repúdio a essa flagrante ilegalidade e violação constitucional, que tem se verificado com freqüência no Brasil, por ferir as garantias individuais, a dignidade humana e por atentar contra o Estado Democrático de Direito”.

Interceptação telefônica entre advogado e cliente

“Levando em conta a gravidade do episódio, no qual o diálogo entre o advogado e seu cliente – protegido pelo sigilo profissional – foi objeto de interceptação telefônica, a OAB SP vem a público repudiar e alertar que, igualmente grave, é a divulgação do conteúdo dessa conversa pela mídia televisiva, com reprodução do áudio, que revela total contrariedade à lei posta: tanto a Lei 9296, que regulamenta a matéria; quanto a Lei 8.906/94, Estatuto da Advocacia, que em seu Art. 7,II, garante, em nome da liberdade de defesa, o sigilo profissional e as comunicações do advogado, inclusive telefônicas ou afins.

Assim sendo, o Egrégio Conselho Seccional da OAB-SP aprova voto de repúdio contra essa prática ilegal, que viola as prerrogativas profissionais, trazendo danos irreparáveis à relação advogado - cliente, e ameaçando frontalmente a liberdade profissional, ao comprometer a confidencialidade da defesa, e as garantias individuais dos cidadãos, em flagrante contrariedade aos princípios constitucionais e à legislação vigente no País”.

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