Petições - Ações Indenizatórias - A ré apresenta contestação denunciando à lide sua seguradora. No mérito, busca descaracterizar a responsabilidade objetiva pelos danos e lesões sofridas em virtude de vazamento de gás de botijão.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL E ANEXOS DA COMARCA DE ....
....................................., pessoa jurídica de direito privado, com sede na Rua .... nº ...., e ....................................., pessoa jurídica de direito privado, com sede na Comarca de ...., por seu advogado, no final assinado, mandato incluso, com escritório no endereço abaixo-impresso, onde normalmente recebe intimações em geral, respeitosamente comparecem diante de Vossa Excelência, com a finalidade de apresentarem sua
................................................. (na qualidade de pessoa jurídica), tendo em vista os seguintes fundamentos:
PRELIMINARMENTE
DA DENUNCIAÇÃO À LIDE
Alegam os autores, prejuízos sofridos em face do incêndio pela suposta falha no sistema de vedação da válvula do botijão de gás; que o evento teria ocorrido em data de ...., às .... hs.
Que no referido incêndio, vieram a perder tudo o que possuíam (casa, bens móveis e estoques da mercearia); que os prejuízos montam o valor total de R$ ...., incluindo o dano moral.
A ora denunciante foi citada na qualidade de segunda requerida. Informa-se neste momento que possui Apólices de Seguros sob nº ...., consoante fazem prova os documentos anexos, visando justamente segurar eventuais danos causados a terceiros em função da sua atividade.
Nos termos do art. 70, III, do CPC, a denunciação à lide é obrigatória, sob pena de perda do direito regressivo.
Assim, requer-se a Vossa Excelência a citação da ...., na Rua .... nº ...., Bairro ...., CEP ...., na Cidade de ...., pelo correio, na forma do art. 222, do CPC, a fim de que a mesma venha integrar à lide na condição de litisdenunciada.
OS FATOS ALEGADOS NA INICIAL
Alegam os autores que são proprietários dos bens descritos na exordial, e que em data de ...., por volta das .... hs, quando a autora preparava o almoço, utilizando-se de um fogareiro de .... bocas acoplado a um botijão de gás de .... Kg, este, supostamente em completo desacordo com as normas de segurança, iniciou vazamento de gás com propagação de labaredas, devido à falha no sistema de vedação da válvula de recipiente acondicionador de gás liqüefeito de petróleo, que estava sendo utilizado naquela ocasião. Que tal falha teria sido constatada pelo laudo pericial anexado aos autos.
Dizem mais, que a autora tentou de todas as formas evitar o incêndio(o qual resultou em queimaduras de 1º e 2º graus),e que em face do incêndio, perderam tudo que guarnecia o imóvel e bem assim o próprio imóvel de dois pavimentos, construídos de forma mista (parte alvenaria e madeira), com área total de .... m².
E, com tais fatos, atribuem a responsabilidade às requeridas, visando o ressarcimento dos supostos prejuízos advindos em função do referido incêndio.
Todavia, ver-se-à na seqüência que os fatos narrados pelos autores, em verdade, não correspondem a verdade.
DO LAUDO PERICIAL TÉCNICO
Com efeito, todo o arcabouço da inicial - consoante se vê da mesma - funda-se no laudo técnico elaborado pelos peritos criminais do Instituto de Criminalística de ....
Assim, necessário tecer alguns comentários acerca do referido laudo.
Consta, pois, no laudo, que:
DAS INFORMAÇÕES: As informações sobre o ocorrido foram prestadas ao Perito, no local dos fatos, pelo Sr. ...., proprietário do imóvel sinistrado. Soube-se assim, que o incêndio iniciou-se por volta das .... hs do dia ...., ocasião em que a sua esposa .... se encontrava fazendo almoço e utilizando para tanto, um fogareiro de .... bocas instalado sobre a mesa. Na oportunidade o fogo assou para o registro do botijão instalado nas proximidades e as chamas se desenvolvem muito rapidamente para as paredes, não sendo mais possível controlar o fogo, apesar das tentativas da esposa do informante, que inclusive sofreu várias queimaduras. Soube-se finalmente que o botijão havia sido instalado naquela manhã e que foi retirado do estoque disponível para a venda naquele estabelecimento.
(...)
DO EXAME E LEVANTAMENTO: (...)
(...)
- Os exames comparativos dos escombros, não possibilitam a determinação da área de início das chamas ...
(...)
Procedendo a um minucioso exame no recipiente acondicionador de G.L.P. apresentado ao Perito como sendo aquele que estava sendo utilizando na ocasião dos fatos, verificou-se após a remoção e abertura da sua válvula que a arruela de vedação apresentava-se ressequido e com fissura, possibilitando o vazamento de gás.
CONSIDERAÇÕES FINAIS: De acordo com os exames efetuados e anteriormente relatados, admite o signatário do presente laudo que o presente incêndio originou-se a partir de vazamento de gás, devido a falha no sistema de vedação da válvula de recipiente acondicionador de gás liqüefeito de petróleo que estava sendo utilizada naquela ocasião.
Como se vê, a falha da conclusão efetuada pelo Sr. Perito é gritante, pois não se louvou em apenas efetivar o levantamento físico do local mas, de forma tendenciosa, houve por bem em concluir, subjetivamente, que o incêndio poderia ter início em face do vazamento em decorrência da falha no sistema de vedação da válvula de recipiente acodicionador de gás liqüefeito.
Ora, o exame levado a efeito no botijão - sabe o Sr. Perito - o foi após o incêndio. Portanto, deveria saber ele que todo o sistema de vedação da válvula, após um sinistro destas proporções, submetido a alta temperatura, fica automaticamente ressequido, dando-se a impressão de que poderia o vazamento ter ocorrido pelo mesmo. Por via de conseqüência, a conclusão constante do aludido laudo não possui qualquer valor e/ou eficácia a substanciar a pretensão dos autores. Há, inclusive, contradição evidente nas próprias conclusões do Sr. Perito, quando afirma que os EXAMES COMPARATIVOS DOS ESCOMBROS, NÃO POSSIBILITAM A DETERMINAÇÃO DA ÁREA DE INÍCIO DAS CHAMAS ...
Daí porque afirma-se que o laudo foi um tanto quanto tendencioso.
Fica desde já, impugnado o laudo técnico por desservir como prova do alegado na inicial. Deve, por conseguinte, o Perito fazer os esclarecimentos necessários para cabal aclaramento das suas afirmações, o que fica desde já requerido.
Como se vê, os fatos ofertados na exordial são insuficientes para acobertar a pretensão dos autores.
DA ANÁLISE DOS DISPOSITIVOS INVOCADOS
Para tutela de suas pretensões, os autores invocam vários dispositivos legais (art. 37, § 6º, da Constituição Federal, Arts. 6º, VI, VIII e X, 12 e 14, do Código do Consumidor, e Art. 159, do Código Civil).
Quanto à invocação dos dispositivos citados, se consentâneo coma realidade fática, estariam corretos. Porém, na medida em que os fatos não se sucederam da maneira constante da inicial, os dispositivos enumerados de nada adiantam para o caso em tela.
Demonstrou-se acima que o laudo pericial em que se louvam os autores é carecedor de qualquer crédito, conquanto despido de cientificidade, padecendo de vícios intrínsecos e extrínsecos. Pelas próprias condições locais e circunstanciais, não haveria como o Perito emitir uma opinião pessoal, pois deveria ater-se apenas em levantar o estado físico das coisas.
Analisando, pois, a questão da responsabilidade objetiva, arremata MIGUEL REALE:
"Pois bem, quando a estrutura ou natureza de um negócio jurídico - como o de transporte, ou de trabalho, só para lembrar os exemplos mais conhecidos - implica a existência de riscos inerentes à atividade desenvolvida, impõe-se a responsabilidade objetiva de quem dela tira proveito, haja ou não culpa. Ao reconhecê-la, todavia, leva-se e conta a participação culposa da vítima, a natureza gratuita ou não de sua participação no evento, bem como o fato de terem sido tomadas as necessárias cautelas, fundadas em critérios de ordem técnica. Eis aí como o problema é posto, com a devida cautela, o que quer dizer , com a preocupação de considerar a totalidade dos fatores operantes, numa visão integral e orgânica, num balanceamento prudente de motivos e valores." (in "Estudos de Filosofia e Ciência do Direito", Saraiva, 1978, p. 176/7).
Ora, na hipótese vertente não se pode olvidar que as próprias vítimas tenham provocado o incêndio e/ou contribuído para que tal tenha acontecido, pela sua própria atitude imprudente. E o que se deflui do conjunto fático ofertado nos autos, pois eles próprios afirmaram que haviam instalado o botijão de gás de .... Kg em fogareiro de .... bocas. Tal atitude, sem dúvida, é condenável, na medida em que o referido botijão só pode ser instalado em fogão e isto é de conhecimento dos autores, principalmente porque eles próprios comercializam o botijão de gás. Desta feita, não podem os mesmos atribuírem a responsabilidade às requeridas.
Com a utilização de fogareiro, provavelmente, houve o aquecimento da mangueira, por conseguinte, provocando o vazamento de gás. É por isto que os autores afirmaram ao Perito que: ... Na oportunidade o fogo passou para o registro do botijão instalado nas proximidades e as chamas se desenvolveram muito rapidamente ...
Neste elenco de acontecimentos não se pode falar na aplicação pura e simples da responsabilidade objetiva a que alude o Diploma Maior (art. 37), pois a atitude imprudente das vítimas excluem a responsabilidade das rés. Ausente se faz, na hipótese, a relação de causalidade, conforme a lição de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:
"Como observa Aguiar Dias, a conduta da vítima como fato gerador do dano "elimina a causalidade". Com efeito, se a vítima contribui com ato seu na construção dos elementos o dano, o direito não se pode conservar estranho a essa circunstância. Da idéia de culpa exclusiva da vítima, chega-se à concorrência de culpa, que se configura quando ela, sem ter sido a causadora única do prejuízo, concorreu para o resultado." (in "Responsabilidade Civil" Forense, 1989, p. 317, nº 242).
Não se alegue, por outro lado, que o botijão estava em completo desacordo com as normas de segurança, pois todos os botijões enchidos pela segunda ré são testados por ocasião do enchimento, e só após isto distribuídos aos consumidores. Por ocasião da venda, tal botijão estava em perfeitas condições, não apresentando qualquer vazamento. Ademais, eventual vazamento é facilmente constatável pelo forte odor que exala. In casu, com certeza não havia vazamento no botijão, tanto é que os autores instalaram e fizeram uso do mesmo.
Se o incêndio irrompeu, efetivamente, por defeito do botijão e/ou do regulador, ou da mangueira, ou do fogareiro, ou ainda pela culpa da vítima (o que é mais viável), são coisas difíceis e/ou impossíveis de apurar face ao sumiço dos vestígios.
Em face do exposto, o botijão deve ser examinado por um centro melhor preparado para exarar um laudo mais apurado, pois o elaborado pelo Perito Criminal é carente de melhores dados técnicos e científicos. E, para tanto, o botijão supostamente causador do incêndio deverá ser remetido para o TECPAR - INSTITUTO DE TECNOLOGIA DO PARANÁ, em ...., na Rua .... nº ....
Tendo em vista os fatos acima articulados, a pretensão dos autores de ver aplicado o disposto no art. 6º do CDC torna-se inviável. Neste sentido é o comentário do referido artigo por ARRUDA ALVIM:
"Doutra parte, não está a critério do juiz a modificação do ônus da prova, quando tratar-se da aferição de veracidade e correção da informação publicitária, que incumbe, obrigatoriamente, ao seu patricionador, nos termos cogentes do art. 38.
...
Afirma-se que para as ações de responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do serviço, em face de o Código do Consumidor prescrever como eximente de responsabilidade a prova da inexistência do defeito, prova esta que cabe ao fornecedor, se desobrigaria o consumidor da prova do defeito. Pensamos que tal não ocorre pois permanece intacta, neste ponto, a distribuição do ônus da prova do art. 333 do Código de Processo Civil, que, como vimos acima, diz competir ao autor provar o fato constitutivo de seu direito e ao réu provar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Como, sem dúvida, a existência do defeito é fato constitutivo do direito do autor/consumidor (cabendo-lhe, portanto, a prova consoante o art. 333, I, CPC), pois não há responsabilidade civil do fornecedor no sistema do Código do Consumidor, sem a existência de defeito juridicamente relevante (art. 12, caput), e, por sua vez, a inexistência do defeito é fato impeditivo do direito do autor/consumidor (cabendo ao fornecedor o ônus da sua comprovação, nos termos do art. 333, II, do CPC)." (in "Código do Consumidor Comentado", RT, 2ª edição, p. 70).
Como se vê, a questão não é simples como querem fazer parecer os autores, mormente em face da circunstância da situação fática que a tanto não autoriza, pois acatar pura e simplesmente os argumentos do autores é deixar toda e qualquer situação a descoberto, possibilitando que qualquer pessoa provoque um incêndio e atribua a responsabilidade objetiva ao fornecedor, numa comodidade fantástica às pessoas mal intencionadas. E, o Judiciário a isto não pode prestar o seu aval, razão porque a situação exige extrema cautela sob todos os aspectos, pois não se pode olvidar que as ações desse naipe, têm-se propagado nos últimos tempos pelas pessoas inescrupulosas.
Sob a ótica do art. 12, também, a questão não é da maneira como enfocado na inicial, pois a modalidade de responsabilidade neste art. 12 preconizada (objetiva mitigada), por prescindir da existência de culpa, somente exige, para que possa ser caracterizada, a ocorrência comprovada e concorrente de três elementos fundamentais: a) a existência do defeito; b) o dano efetivo, moral e/ou patrimonial; e c) o nexo de causalidade entre o defeito do produto e a lesão. Não havendo a comprovação de qualquer destes elementos, não há que se cogitar da responsabilidade civil do fornecedor. (in "Código do Consumidor Comentado", Arruda Alvim, RT, p. 99/100).
No mesmo diapasão: "Comentários ao Código do Consumidor", Ed. Forense, 1992, coordenado por JOSÉ CRETELLA JR, p. 66.
Consoante demonstrou-se no caso presente, acha-se ausente o pressuposto da causalidade, bem como a existência do defeito, e isto fatalmente torna a ação inviável.
A luz do art. 159, do CC, a responsabilidade civil deverá ser investigada sob o ponto de vista da culpabilidade, o que no ver das requeridas inexiste.
Por tudo isto, tem-se que a ação intentada não tem suporte para a sua prosperidade, pois esbarra nos vários pressupostos jurídicos, fáticos e legais que a tanto não autorizam.
DOS DANOS PRETENDIDOS
Caso se admita como procedente da ação, "ad argumentandum tantum", evidentemente os danos pretendidos não correspondem à real valorização dos bens, e tão pouco existem nos autos provas dos efetivos prejuízos, pois a pretensão se baseia apenas em documentos unilaterais, sem qualquer valor jurídico.
Dizem os autores, que possuíam estoque de mercadorias no valor de R$ ...., conforme declaração. Tal declaração obviamente é imprestável para dar suporte ao seu pedido. Esta prova se faz essencialmente pelas notas fiscais de mercadorias devidamente contabilizadas. Inexistente esta prova, inexiste, igualmente, direito a tal pretensão.
Pelo mesmo fundamento improcede o pedido quanto ao ressarcimento no valor de R$ ...., referente aos móveis, máquinas e equipamentos.
Da forma no tangente aos bens móveis (eletrodomésticos, utensílios, roupas e outros), no valor de R$ ...., que não pode merecer guarida, pois ausente a prova do efetivo prejuízo, com fulcro nas competentes notas de compras.
Quanto ao valor para reconstrução do imóvel, não basta apenas um orçamento, pois os autores deveriam fazê-lo com base em diversos orçamentos, optando dentre estes pelo menor, consoante é o entendimento dos nossos julgados.
Dano moral pretendido, igualmente, não encontra embasamento legal, mormente no valor de .... salários-mínimos, pois diferentemente do argumento dos autores, os Tribunais somente em caso de morte têm acolhido o dano moral, ainda assim em valores módicos, razão porque o pedido é abusivo e insubsistente.
Ficam assim, todos os documentos juntados pelos autores impugnados, principalmente o laudo técnico, as declarações e outros referentes às despesas com fotocópias, para todos os efeitos legais e jurídicos.
Apenas a título, deve ser esclarecido que a presente questão não é o caso de intervenção do Ministério Público, inobstante nada tenha a opor as requeridas.
DIANTE DO EXPOSTO, requer, preliminarmente, a denunciação à lide da ...., na forma preconizada na preliminar acima. No mérito, requer se digne Vossa Excelência julgar improcedente a presente ação, em face dos fundamentos acima elencados, condenando-se os autores ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios.
Requer, outrossim, seja determinada a feitura de exame minucioso no botijão de gás supostamente envolvido no incêndio pela TECPAR, enviando-se o botijão para este centro tecnológico, único órgão capacitado para determinar se a válvula do botijão estaria ou não com defeito, ou mesmo para esclarecer se a apuração de tal fato é possível face ao incêndio.
Termos em que,
Pedem deferimento
...., .... de .... de ....
..................
Advogado OAB/...
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